sábado, 31 de março de 2018

HISTÓRIA DE NINAR



Coletânea de Contos projetopassofundo.com.br

            Era uma vez...um lugar longe muito longe, por detrás da verde mata...onde corria um rio caudaloso de cor azul turquesa.
        Lá, as árvores eram frondosas, com caules fortes de um marrom acentuado. As folhas tinham tonalidades diversas, nem sempre verdes e que quando floridas tocavam até o coração mais empedernido. Era com certeza, a tal terra de uma floresta encantada!
            Também ali vivia em estado de graça, uma, entre tantas famílias. Pai, mãe e criança e desta, uma relíquia, boneco de madeira (o Mané Tibiriça) que ganhara da dinda. Companheiro de seus dias.
             Lá, quando o sol atravessava as nuvens e chegava às árvores, suas réstias entre as folhas deixava entrever partículas de luz que dançavam no ar.  Para olhares atentos não restavam dúvidas, eram Fadas, Elfos, Silfos e Salamandras cumprindo seus papéis na natureza. Nas gramíneas revoltas como que a balançar por ocasião de um vento rasteiro, expunha gnomos, duendes e ninfas na razão de suas existências, todos a terra a enfeitar e a cuidá-la e a protegê-la!
           Para chegar a esta terra, era preciso viajar muitos dias e algumas noites, tinha-se que passar por cachoeiras, árvores imensas, campos floridos. Com sorte era ainda possível ver o lobo guará, uma onça pintada ou um cusco de beira de estrada e até galinha de angola ou ainda o privilégio de um unicórnio a pastar grama matizada ... tudo era possível!
         Mas o que sei com relativa certeza, é que o tempo se armou ao norte, que é de onde vem as tempestades. Nuvens enormes de cor chumbo, derramaram uma chuva intensa. A cortar o céu coriscos prenunciavam raios e trovões, de pôr medo em qualquer criatura. O vento até então calmo, agitou-se em redemoinho de um barulho ensurdecedor e os estragos de sua fúria, aos humanos, foi avassaladora.
          A criança e sua família foram atingidos por este cataclisma. A enchente que progredia pela ribanceira, não respeitou nada, derrubando galpão, galinheiro, chiqueiro, estrebaria, estrada e casa. O pai e a mãe lutaram heroicamente contra a tempestade protegendo seu rebento. No momento crítico, quando água e vento se misturaram os três se mantiveram abraçados.
              Quando a tempestade passou,  as pessoas começaram a sair de seus abrigos e uns a ajudar os outros numa interação humana profunda, digna e de sorrisos e lágrimas...
            Foi num momento desses que a criança choramingou...pois não encontrava seu brinquedo predileto, seu boneco de estimação, presente da dinda...e a conclusão: o vento e a enxurrada  o levaram...
             Passado vários dias do acontecido, os pais entristecidos de tudo faziam para que sua criança saísse de incontida apatia, nada resolvia...o desespero foi maior quando também deixou de falar, depois de andar e o olhar estava perdido num vazio...a mãe então procurou benzedeira, um índio pajé, mãe de santo, pastor, padre e água benta...nada resolvia. Procuraram médicos do corpo e médicos da alma...nada resolvia!
            Ouviram os pais, que em terra distante, a mais ou menos seis léguas...milagre destes que acontecem uma vez na vida e outro na morte, lá se dava...lavradores encontraram em terra quase estéril um totem, quem sabe indígena. Levantaram altar, rezavam missa,  fazia-se culto, via-se milagres noite e dia. A terra frutificava, doenças eram curadas, dizia-se que até cego via a luz do dia...
                 Os pais, nesta luta diária, não hesitaram e clamaram aos céus um milagre. Caminharam três dias com a criança ao colo, alheio a tudo ao seu redor...chegando junto ao pátio da capela erguida, enfrentaram fila, pois os milagres eram muitos e desesperadas pessoas almejavam tocar a capa ou  até a sombra deste achado sagrado.
                E foi subindo degrau por degrau e reza após reza...que a vez desta sofrida família chegou. Ao aproximarem a criança da relíquia é que o milagre se deu. Tremendo o corpo esguio e ao alcançar a imagem, abraçando-a com fervor soltou um grito reconfortante: "Este santo não é santo, é o Mané Tibiriçá!"

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